quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Capitulo 3 – Pesadelo.

O murmúrio habitual corria a sala de aula, as garotas formavam seus grupinhos em torno de uma carteira, para ouvir o novo capítulo do “diário alheio”, enquanto exclamavam com gritinhos estridentes. Alguns garotos também se juntavam em rodinhas e colocavam o papo em dia.

Nanda e eu estávamos em nossas carteiras, sentadas com as pernas para o corredor, uma de frente para outra, quando uma professora de pele clara, olhos castanhos e cabelo loiro em um corte Chanel, surge na sala de aula.

- Silencio, vocês estão em uma sala de aula e não em um estádio de futebol. Rosa era uma professora jovem se comparada com as demais do colégio, entretanto a modernidade não se estendia além de sua aparência. A contração foi geral, em um movimento quase que ensaiado, em poucos segundos todos estavam compostos em suas carteiras.

- Assim está melhor. Adentrando a sala, Rosa colocou seu material sobre a mesa e prosseguiu rígida como uma porta. – Pela animação presumo que todos foram muito bem no fechamento da média bimestral. Suspiros de todas as espécies se espalharam no ar, uns de alivio, outros de aflição pelas notas insatisfatórias.

- Como já é de costume, informo a abertura de inscrição para os jogos internos. Os jogos internos consistiam em competições de varias modalidadmodalidades, desde jogos coletivos a competições individuais.

- Os grupos devem escrever em uma folha o nome e a posição dos componentes do time. Esta lista deve ser entregue na secretaria para analise do comitê esportivo até o final da semana. Todos os participantes passarão por analise do histórico escolar e dos campeonatos anteriores, caso tenha participado. As tabelas dos jogos serão afixadas nos painéis de informações, localizados no pátio e corredores.

Em uma folha de cadecaderno, Nanda anotou os nomes das componentes do time do nosso time de Handball.

- Nem coloque meu nome nesta lista. Olhei para Nanda torcendo os dedos para que desta vez fosse diferente dos anos anteriores.

- Você não tem escolha, não há ninguém para ponta esquerda. Objetivamente Nanda podou minhas esperanças.

- Ah claro, falta de opções. Meu tom era desanimando. – Irei jogar por livre e espontânea pressão.

- É... Pode se dizer que sim, mas não faça charme Laura, você sabe que joga bem. Nanda respondeu com um sorriso sarcástico.

- Sinceramente, prefiro minha guitarra!

- Come on girl, let’s have a little bit of fun! Imitando a voz de Philip, Nanda me lança um olhar animado.

- Tudo bem, mas não espere muita coisa. Respondi em um meio sorriso.

- Sem problemas, temos mais cinco na linha e uma no gol, o mínimo que pode fazer é passar a bola, mas eu sei que você pode fazer muito mais do que isso. Nanda me conhecia o bastante para saber que não entraria em um jogo simplesmente para cumprir tabela, entraria para ganhar.

- O Guardador de Rebanho é uma obra de qual autor Srta. Laura? Limpando a garganta, Rosa aproxima - se para que a conversa fosse interrompida, parou no corredor entre Nanda e eu, pretendia pegar – me de surpresa.

- O autor de O Guardador de Rebanho é Fernando Pessoa, pseudônimo de Alberto Caeiro. Percebi a intenção de Rosa de imediato, sem titubear virei – me para a sala limpando minha garganta como em seu gesto.

- Se me permite Professora? Sem aguardar o consentimento de Rosa, prossegui deliberadamente. – O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos também são obras de Alberto Caeiro.

Olhei para Nanda e pisquei suavemente em um gesto que só ela captara, com a mesma gentileza ela repete o gesto, estávamos rindo por dentro.

- A resposta está correta Srta. Laura. O tom de Rosa era de irritação. Rosa não perdia a oportunidade de flagrar algum ato falho, ao menor que fosse. Mais uma vez obteve a frustração como de costume, mais uma vez livrei - me de sua armadilha.

- Prosseguindo. A irritação encorpou a voz de Rosa.

Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa em 16 de Abril de 1889. Faleceu de tuberculose em 1915. A sua vida decorreu quase toda em uma quinta do Ribatejo, só os primeiros dois anos dele, e os últimos meses, foram passados na cidade natal. A obra de Caeiro representa a reconstrução integral de paganismo, na sua essência absoluta, tal como...

As palavras flutuavam em minha mente, captava as palavras esporadicamente. Não fui pega de surpresa com a pergunta, pois já sabia da obra e biografia do autor. Sempre adiantava - me as aulas de literatura, conhecendo as intenções de Rosa. Só tomei minha atenção à aula, quando Rosa solicitou uma atividade para a próxima semana.

- Quero uma dissertação dos poemas de Fernando Pessoa, para a próxima aula, agora podem sair. Como de costume a voz de Rosa continuava indiferente.

Guardei meu material na mochila, aguardei Nanda fazer o mesmo e seguimos em direção ao portão de saída. Enquanto caminhava em direção a saída, senti o batimento de meu coração descompassado, algo estava diferente, parecia que alguém me observava.

- Olá. Em um sobressalto, virei - me na direção da voz com o coração batendo em minha garganta, a mão suando frio e as pernas bambeando. Fui pega de surpresa, não imaginava ser interrompida de meu frisson bruscamente.

- Tudo bem com você Laura? Daniel perguntou - me assustado.

- Tudo... Foi só... Uma tontura. Minha voz era tão assustada quanto à expressão de Daniel.

- Você está branca. Daniel segurou meus braços. – Tem certeza de que está bem?

- Tenho... Já passou. Recompunha – me do susto.

- Vou te levar para casa. Com o controle na mão, Daniel acionou a abertura das portas do carro que estava a poucos metros de distância.

- Não precisa, eu já estou bem. Desvencilhei – me da mão sobre meu braço.

- Você vai comigo sim, ou você acha que vou ficar tranqüilo se te deixar ir sozinha? Daniel não estava perguntado, mas sim sobrepondo sua vontade sobre a minha.

A porta do passageiro já estava aberta, a contra gosto, entrei no Esportivo Preto, Daniel fechou a porta, deu a volta no carro e sentou – se a frente do volante, dando a partida.

- Daniel, realmente não precisava, foi só um mal estar. Sentia - me perfeitamente bem para ir caminhando, enquanto que Daniel sentia satisfação em me levar para casa.

- Não há problema em te levar para casa, será um prazer. Suavemente o carro entrou em movimento, ganhando velocidade pela avenida.

- A Nanda cadê a Nanda? E o Phil, cadê eles? Não tinha me dado conta de que estava sozinha com Daniel.

- Eles estão bem. Phil está levando Nanda para casa. Daniel me olhou pela beirada do olho e voltou sua atenção para a avenida à frente.

- Nossa, eu nem vi isso. Gradativamente retomava meus sentidos.

- Realmente você não os viu seguindo para o carro. Daniel respondeu com tranqüilidade. Lentamente o carro diminuiu a velocidade e estacionou em frente de minha casa.

- Chegamos. Daniel desligou o carro e mudou a faixa do CD Player.
- Valeu Dan, mas realmen...

- Shiii, chega de desculpas, você já está em casa ok? Então sua mão seguiu em um leve movimento parando na superfície de meu rosto enquanto seus dedos acariciam minhas bochechas.

- Então tá Dan. Virei o rosto e destravei a porta para descer.

- Laura? Só mais uma coisa. Sua voz soava doce, com se minha face fosse à superfície mais perfeita que ele houvesse tocado.

- Ah claro, claro, o ensaio daqui a pouco no mesmo horário. Levei minha mão à testa, atualizando os fatos em minha mente.

- Na verdade é o contrario, você passou mal e acho melhor não ter ensaio hoje, seria melhor você descansar e... As palavras saíram com ternura e proteção, mas eu não deixei que ele acabasse o discurso.

- Chega desse assunto, eu estou bem, quantas vezes vou ter de repetir isso? Te encontro daqui a pouco. Estava irritada com sua persistência, estava me sentindo muito bem e me senti melhor ainda do lado de fora do carro sem aquela “super proteção”.

Entrei em casa disparada em direção as escadas para meu quarto, não queria ser interrompida por ninguém, porem Neuza estava a minha espera.

- Laura, vem almoçar. Dei meia volta e segui para cozinha, Neuza não era uma pessoa fácil de vencer e eu não estava com animo para contrariar – la.

- Ah... Oi Neuza, estou morrendo de fome. Menti dissimuladamente.

- Então você vai adorar o cardápio de hoje, filé de franco grelhado com batata frita. Com o sorriso no rosto, Neuza me passou um prato e talheres.

- Neuza você é Demais. Coloquei um sorriso falso no rosto e me sentei.

- Aquele menino, o Daniel te trousse hoje, não foi? Percebi o tom de empolgação em sua voz.
- Foi sim por quê? Respondi com neutralidade, já sabia o que vinha pela frente.

- Ele é uma gracinha Laura, vocês dois juntos ficam tão lindinhos. Neuza juntou as mãos e me lançou um olhar de aprovação.

- Arg, não tem nada a ver Neuza, ele é só meu amigo. Rosnei em desaprovação, revirei meus olhos e retomei minha refeição apressadamente.

- Coma de vagar queria, ou terá uma indigestão. A apreensão veio com doçura e proteção.

- É que está uma delicia. Coloquei mais uma garfada na boca e mastiguei o menos possível, refazendo o processo. Terminei a refeição, dei um beijo em Neuza, em forma de agradecimento de seu carinho e cuidado comigo, então segui para as escadas.

Subi as escadas a cada dois degraus e joguei – me em minha cama. Queria entender o que acontecera comigo, como poderia explicar a mim mesma algo tão estranho?

Concentrei – me no exato momento em que fui interrompida por Daniel, e para minha surpresa não queria ter sido interrompida, o mix de emoções daquele momento era delirante. Mas como poderia sentir – me bem com a sensação de estar sendo observada por alguém que não se sabe quem é?

“Estou delirando”, “era apenas o Daniel, claro que era ele, quem poderia ser?” “Será que estou sentindo algo pelo...?”, “Não, estou delirando novamente”, “Eu preciso de um psiquiatra”.

Blin Blom.

Escutei a campainha e olhei para o relógio em minha cabeceira da cama, assustada com o horário que eu não tinha sentido passar.

- Caramba, tenho que me trocar! Ainda estava com o uniforme, abri meu closet, peguei a primeira calça que encontrei, puxei uma gaveta e peguei a primeira camiseta da pilha, recoloquei meu tênis e desci correndo até a garagem.

- Bela corrida para quem passou mal há tão pouco tempo. Nanda me lançou um olhar displicente.

- Eu não passei mal, foi só um susto. Respondi com irritação.

- Caramba, eu sou tão feio assim? Daniel queria ouvir o oposto de sua pergunta.

- Só um pouco, Frank Stain. Enfatizei o assombroso nome.

- HA – HA – HA, é para rir agora ou depois? Não falei o que ele queria ouvir e sua face mudou de um sorriso largo para um meio sorriso sem graça.

- A piada foi muito boa, mas vamos começar logo o ensaio. Phil não estava com humor para piadas, mas sim concentrado para o último ensaio antes do show.

***

O ensaio foi perfeito, evidente que não poderia ser diferente, afinal após tantos dias de dedicação, não havia correções necessárias, estávamos na mesma sintonia, sabíamos de olhos fechados cada arranjo e nos sentíamos exaustos quando o ensaio terminou.

- Ufa, por hoje é só. Nanda soltou as baquetas e elas rolaram para o chão tilintando.

- Foi perfeito. Sentei – me no chão exausta e explodindo de orgulho.

- Você que é perfeita Laura. Daniel me olhou profundamente como se apenas ele e eu estivéssemos na sala.

- Hum hum, I’m going. Vai querer uma carona Nanda? Philip limpou a garganta tentando quebrar o clima.

- Ca... Ca... Claro Phil. Nanda estava perplexa com o comentário escancarado de Daniel.

- Então galera, amanhã, seis horas, aqui, para carregarmos os equipamentos. Eu, mais do que ninguém tratei de quebrar o clima e coloquei um ponto final no assunto e no ensaio.

- Tchau Laura. Nanda e eu trocamos beijinho, Phil fez o mesmo e seguiram para porta.

- Bom... Então até amanhã Dan. Segurei a porta para que ele saísse, já que ele estava propositalmente grudado ao chão.

- Tchauzinho Laura. Com relutância Daniel passou pela porta lentamente, postergando por mais alguns minutos a despedida.

- Tchau Dan. Assim que ele cruzou a porta, fechei – a para que ele não insistisse em permanecer.

***

Sentia – me extremamente orgulhosa pelo excelente trabalho e extremamente esgotada pelo ensaio puxado, entretanto não eram essas coisas que passavam por minha cabeça, aquela sensação inexplicável consumia minha energia. Permaneci em meu quarto por um longo tempo com a TV ligada, mas sem prestar a menor atenção. Fui até o quarto de minha mãe para lhe desejar boa noite, tomei um banho demorado, deixando que a água quente caísse sobre meus ombros, desliguei a ducha com relutância e fui para minha cama.

Estava confortável e aquecida em minha cama, quando de repente senti o frio a minha volta, a chuva caia grossa de um céu cinza chumbo, a visibilidade era restrita a menos de dois passos de distancia no solo irregular e o som era ensurdecedor. Eu corria desesperada em um vale interminável.

- Laura? Escutei meu nome e minhas pernas estremeceram.

Estava sendo observada novamente por aqueles olhos, a sensação de êxtase tomou meu corpo, senti – o arrepiar dos pés a cabeça, virei – me para olhar o retentor daquela voz tão intensa. Neste momento tudo a minha volta parou, os movimentos aconteceram em slow motion, vi cada gesto como em um filme de tiragem antiga, a figura de seu detentor estava entrando em foco, finalmente descobriria de quem auferia aquela sensação maravilhosa.

Em um pulo, com o coração na boca, abri os olhos e percebi que estava em meu quarto, meu corpo estava encharcado de suor, o ar ao meu entorno não parecia suficiente para minha respiração ofegante, necessitei de alguns minutos para respirar novamente, olhei para o rádio relógio na minha cabeceira, que marcava 04h30, respirei fundo mais uma vez, lembrando – me do dia que teria pela frente.